O fogo partiu saciado
a floresta de luto
soluça
25 fevereiro, 2007
23 fevereiro, 2007
22 fevereiro, 2007
O cisne
nada em círculos
no lago azul
de céu reflectido.
À volta silêncio
e mistérios,
neblinas de Sintra
a abraçar.
Em suspenso
fiquei parada
como num
encantamento.
Só o negro cisne
ali pertencia,
feliz de mim
por o poder olhar.
21 fevereiro, 2007
Intimidade
e sem falar se entender
um com ar de submisso
e o outro de proteger,
senti pudor de os olhar
com receio de ofender.
Um mundo desconhecido
uma outra forma de ser.
A tarde desceu de vagar
sem luzes a acender
no café houve um gemido
quase um desfalecer.
Saí sem me voltar
mais não queria saber
procurei no céu o brilho
da estrela do anoitecer
Porquês
vem este sorriso no olhar
a ternura transbordante
e uma doida vontade
de correr, abraçar o mundo.
Palavras surgem do nada
Amor transversal e único
-nem sei o que quer dizer.
Sei que me sinto céu
a envolver a Lua,
mesmo em noite sem luar.
É a vida sem porquês
sem resposta a ter que dar
é estar viva e o saber
Geração à rasca
chamara os estudantes de “a geração rasca”)
No largo de São Bento
juntou-se a estudantada
em frente ao Parlamento
exigindo ser escutada
O tempo passava lento
a noite se aproximava
um mau pressentimento
polícia e cães na calada
Então a certo momento
com gestos de desgarrada
sai um do agrupamento
resposta ó Ministro é dada
Calça em baixo, cu ao vento
uma peida descarada
afrontou o Parlamento
com um só olho na mirada
-Que resposta apropriada,
merecia um monumento!
-Comentou a malta irada
ao ver na Tê Vê o evento
16 fevereiro, 2007
Sonho lindo
Hoje sonhei-me
sorrindo dançando
na copa das árvores
cabelos ao vento
vestida de nuvens
pés doirados
nas doces acácias
recém floridas
Havia um regato
correndo manso
pela verde mata
a água cantava azul
Duas folhas-barcos
seguiam tranqüilas
de mãos dadas
e nós a conversar
Dizer-te
Queria dizer-te
Das saudades que tive
do tempo perdido
olhando o caminho
para lá da curva
da última casa
Como o meu olhar
de luto vestido
seguiu tua sombra
cada vez mais longa
esfumando na estrada
Queria dizer-te
Sentindo calada
essa saudade
apenas lembrada
ao entardecer
em dias de chuva
Desse adeus mal dado
que me fez sofrer
e como agora sinto
que esse passado
foi o meu crescer
Serra de Sintra
O vento descia em nuvens pela serra.
Nuvens grandes e enoveladas
que escorriam como os teus cabelos.
E no meio de todo aquele vento,
como tu, a serra estava só.
Mas nem por isso tremia,
era grande e segura, sem pés.
E o vento que do mar vinha,
subia, descia e nela se quebrava.
Pentagrama
Flores claras
delicadas
"pentagramas floridos"
em seus estames
cabelos doirados,
há perfumes de pólen...
trémulas
aguardam,
na suave aragem
gineceu oferto.
Como a noiva
de branco vestida
- oh tu sempre Maria-
espera o fruto
três vezes bendito
que talvez virá
um dia.
Mulher-Flor
Primavera
- Vida
Doce recordar
No dia em que casei
toda eu era sorrisos
laranjeira e tafetás
renda-pérola vestida
a casa cheia de flores
correrias e amigos.
Minha Tia me chamava
e baixinho assim dizia
– Quem se casa, assim não ri!
– Mas porquê, se sou feliz?!
– Guarda isso só para ti.
– Não posso parar de sorrir,
o dia é lindo. É o meu dia!
– Mas uma Noiva não ri.
– Porquê, porquê, minha Tia?
– Deve temer e estar triste,
porque deixa Pai e Mãe,
vai começar nova vida.
– É por isso que me rio:
vai ser nova minha vida!
– Não sabes como ela será.
– Será minha! A Minha Vida.
por isso canto e sorrio.
– Quem muito ri mais chorará.
– Pois quem viver, logo verá!
– Mas faz como te digo:
guarda esse sorriso
guarda-o bem só para ti.
– Porquê, porquê minha Tia,
esconder minha alegria?
– Menina, que vão pensar?
assim não é decente,
pode mesmo dar azar...
– E eu com isso ralada!
Quero rir, quero bailar,
pintar no céu arco-íris,
o Sol e a Lua beijar...
Tantos anos passaram
Houve risos e houve dor
Mas quanta coisa aprendi...
Caminhos de mar e terra
Pedras, silêncios, clarões
Quase em pedaços fiquei...
Mas foi cheia minha vida
e os filhos frutos de amor.
Adeus, adeus minha Tia
Sou pássaro, onda e flor.
Meu olhar não tem limites
Nem limite meu amor
Sou terra e o sol me beija
Sou estrada e nela caminho
É mais terno meu sorriso
E doce o meu recordar.
15 fevereiro, 2007
Quisera
Quisera transpor
todas as portas
fluir pelas janelas,
voar serena
por verdes campos
sem deixar sombra,
ser como o vento
uma leve brisa
um cheiro de mar,
ser o olhar
seguindo o pássaro
que risca o céu.
Ir sem receios
um sorriso breve,
como quem vem...
Virgens de Pedra
(Mathildenhöle, escultura em Darsmdt)
Olhai as virgens
de véus vestidas
em véus despidas
na pedra presas.
Causam vertigens
seios erguidos
oferecidos
puros, ilesos.
Gritai por elas
trazei-as à vida
ao mar e à terra.
Olhai as virgens
de véus libertas
em carne acesas
Abro a janela
Abro a janela
e posso tocar
o longe
com a ponta dos dedos
A laranja na árvore
o pássaro que canta
no céu
as nuvens dos montes...
E quando retomo
o gesto
que fôra meu
abraço o mundo
12 fevereiro, 2007
Prato chinês
No armário de vidrinhos,
tão cheio de coisas que mal me lembro,
havia um prato com quatro chinesas.
Quando as luzes se apagavam
faziam vénias com as cabeças
e falavam baixinho com letras pretas.
Depois ficavam as quatro juntinhas
contando histórias da velha China.
Eram bonitas as chinesinha,
talvez um pouco todas iguais,
mas mesmo assim eu as conhecia:
uma sorria, outra sonhava,
a terceira era triste
e a mais pequena parecia olhar-me.
Às vezes me perguntava
se elas nunca sairiam do prato…
O prato era redondo,
não tinha saída.
Mas talvez pelos ramos pendentes
da árvore em flor, que lá havia,
elas pudessem escapar, subir,
fugir no ar.
Como eu gostaria que elas saíssem,
ou então,
que eu conseguisse para lá entrar…
Paris
Caminhavas lento
o corpo solto
quase displicente
à volta do rosto
cabelos dourados
pelo sol poente.
Imaginei-te nu
qual estátua viva
apenas saída
do museu
E
no banco da praça
olhando esquecida
de encobrir o olhar.
E fui te despindo
sonhando acordada
sem me perguntar
de tua vontade…
Passaste sorrindo
atrasando o andar,
como se estiveras
num espelho a entrar.
Grito
Gritar não posso
não é educado,
suspirar já posso
mas quase calado.
Que fazer do grito
na minha garganta
que lento me rasga
soluça e avança?…
Preciso a janela abrir
fazer meu grito soar
preciso deixar sair
meu uivo pr’além do mar.
Encantamento
(a meus netos)
Voava a pomba perdida
sem encontrar o pombal,
via campos, verdes campos
em nenhum seu laranjal.
Ao longe o mar bramia
lutando com o pinhal
que segura as areias
das praias de Portugal.
Foge a pomba assustada
entre a montanha e o vale
procurando um ramo achar
longe de qualquer mal.
Já o dia se acabava
ouviu-se a trompa real,
era o príncipe herdeiro
e todo o seu arraial.
Parou a comitiva
bem junto ao roseiral
acenderam a fogueira
limparam espada e punhal.
– "Quem geme e baixo soluça
nem gente nem animal?"
– "Ai de mim que estou perdida
voar, voar para o laranjal…"
– "Pobre pomba branca e fria
que o meu peito te salve."
E o príncipe recolheu-a
perante o espanto geral.
Ao afagar-lhe a cabeça
encontrou duro sinal,
era um negro diamante
cravado a pedra e cal.
"Teus olhos choram por mim
ai pomba do meu pombal.
Vem, que te salvarei
serei teu servo leal".
E com os dentes quebrou
o encantamento fatal.
Cobriu-se o campo de flores
amadureceu o trigal
a pomba virou donzela
com coroa de laranjal.
Saltaram para o cavalo
ouviu-se a trompa real.
E em alegre convívio
chegou o conto ao final.
10 fevereiro, 2007
Destino
No passeio junto à praia,
do outro lado da estrada
duas mulheres de negro
caminham apressadas,
o vento fá-las dobrar
as saias parecem asas
debatendo-se no ar.
Do outro lado da estrada
no passeio junto ao mar
duas mulheres gemendo
parecem quase voar,
na cabeça lenços pretos
encobrem-lhes o olhar,
as mãos apertam o peito
pra o coração não estalar.
O vento uiva mais alto
trazendo gritos da praia
um espanto para lá do mar,
elas correm, como correm
nem a água as faz parar
procuram cegas os barcos
e nada há que encontrar.
Só então abrem os braços
erguendo o punho ao ar
gritam de revolta e dor,
soltam seu ódio, seu mal,
chamam,choram de amor,
e as lágrimas abrem sulcos
naqueles rostos desfeitos.
Desceu um silêncio à praia
era a morte a passear
por entre gaivotas feridas
todas de negro vestidas
olhos presos no mar.
Lamento de uma gata em Si
Gordos, balofos,
mansos e tansos,
os gatos capados
esperam seus donos,
seu leite, seu peixe,
mais a almofada
e a ração vitaminada.
Gratos de agrados
assim vão esquecendo
corridas, caçadas...
e lambem o pelo,
tomam purgante,
deixam-se catar
com olhar distante.
Só nas luas cheias
um estranho calor
lhes corre nas veias
os enche de ardor,
um dói de saudade
uma falta sem nome
ânsia da liberdade
que chama de longe.
– Ah gatos ingratos
que miam assim
mijando nos quartos
fazendo chinfrim,
quando a lua passar
voltarão para casa
tornando a deitar
lindinhos e fofos,
mansinhos, calados,
esquecidos de si.
Como vos choro
gatinhos amados
temendo o telhado
presos no jardim,
tigres amansados
perdidos pra mim.
Saudade
Que saudade estranha
o meu peito aloja
de manso se entranha
aos poucos me afoga.
Fogueira sem lenha
me arde e consome
que saudade estranha
do tempo que foge.
A outra Avó
Minha avó chamada Elvira
tinha sapatinhos de ouro
pendurados nas orelhas.
Era pequena, encolhida
falava pouco, sem gestos
olhava-me fixa e fria
como se ali não estivera.
Uma avó não é assim....
sem histórias pra contar
sem haver ralhos ou risos,
pensava então para mim.
E mantinha-me distante
também eu me calava
pequena e encolhida
observando a velha
e seus olhos de cágado.
A casa dela já na escada
cheirava a peixe frito
e as janelas fechadas
o soalho que rangia
as cadeiras alinhadas
à volta da mesa vazia...
Tudo era penumbra
e o medo de me mover,
mas não parava de olhar
os sapatinhos de ouro
que balançando de leve
lhe pendiam nas orelhas.
Acho que assim aprendi
a histórias inventar:
– Esta minha avó Elvira
era uma tartaruga velha
que comera uma princesa
que dançava pelos campos,
só lhe deixando de fora
seus pézinhos dourados
que teimavam balançando
das orelhas pendurados.
A Gata
A gata branca tinha um olho verde e outro azul
mas para mim ela era como uma aranha.
Que pena eu tinha de a não amar,
que pena eu tinha do seu ronronar em mim não ter eco.
E sempre que a gata vinha eu ia
e ela ficava mais triste mais só.
Sim, ela tivera casa, almofada e mesmo um nome
depois nasceu um menino e ela foi para o quintal.
Como ela soube então que as noites eram azuis,
o luar, o cheiro da terra molhada e tudo o mais.
Mas um dia a casa ficou vazia.
Aqueles de quem ela tinha sido e seus se diziam
fizeram malas e levaram tudo o que havia,
foram-se deixando a porta fechada.
Só ela ficou, toda branca um olho verde outro azul.
Passaram noites, dias longos e silêncios.
Depois cheguei eu, as flores e os risos,
a casa enchera-se outra vez, mas ela não entrou.
Rondava, olhando-me como intrusa.
Passou o verão, houve noites de chuvas
Noites azuis e de estrelas que nevavam.
E numa delas chegou um menino, o meu menino.
Então amei-o, amei-o daquele amor à vida
transbordante e doce, até às coisas pequenas.
E quando um dia a gata se foi deitar
em meu casaco numa cadeira esquecido,
olhei-a e não a pude enxotar.
08 fevereiro, 2007
Sete luas
Esta noite sete luas,
sete luas cheias,
rolaram juntas nos céus.
Dançaram nuas
sem pudor nem véus.
Vieram as estrelas,
as fadas e os anjos
deram-se as mãos
e fizeram roda
à roda da lua
sete vezes branca.
Vem, meu amor,
escuta seu canto.
07 fevereiro, 2007
Geo
de encontro ao mar
Sabias ser lua cheia
mas não havia luar.
E a cada onda bravia
Que se quebrava na areia
logo outra a seguia
e mais forte se erguia
grito de espuma branca.
Olhaste longamente o céu
e o teu colo era de garça
quando abrindo os braços
deslizaste para a água.
Sabias ser lua cheia
mesmo sem haver luar.
Quando sobre teus passos
de promessa já cumprida
luminosa retornaste
recendias maresia.
No olhar trazias estrelas
e a magia velada
de tua entrega ao mar
Parada no tempo
Seus olhos gastos de chorar
alongaram-se pela rua
na espera sem esperar
da volta dos teus passos.
Saíste e assobiavas
olhando o Sol de frente
esquecido de acenar
sentindo o sangue ferver.
E ela, debruçada na janela
qual boneca abandonada
quando se muda de casa
nem dá pela noite chegar.
Partiste entre o alegre e o triste
liberto do repetido viver
sem desgostos nem surpresas.
Terias deixado o relógio sobre a mesa?
Seus olhos cansados de tanto olhar
fecharam-se mansamente...
A lua olhou-a no rosto,
iluminou-lhe o sonhar.
A fonte
No meio da praça um jardim.
No meio do jardim um largo.
No meio do largo um lago.
No meio do lago uma fonte.
No meio da fonte um fio de água.
E a água da fonte,
do lago do largo,
do jardim da praça,
que graça,
corre, salta e foge
de pedra em pedra
sempre a cantar.
E os meninos da escola
parados a olhar.
Sentidos
Meus dedos
lentos
percorrendo
a medo
teu corpo
aberto
oferto.
Meus dedos
surpresos
soltando
o calor
o cheiro
de teu corpo
descoberto.
Meus dedos
olhos
trazendo
imagens
mensagens
ao meu corpo
trémulo.
…
Esqueci
teu nome
teu rosto
o quando
e o porquê
Só existes
em meus dedos
Homem cidadão da Terra
de ti sou e vivo,
planeta encantado
de azul vestido.
Pelas tuas areias corro
e nado nas tuas veias.
Por montes e vales sigo
embalado pelo vento
escutando de teus pássaros a música
e o som das árvores e ervas brotando.
Aqui estou,
te percorrendo em mil sentidos
e descobrindo teus caminhos.
Terra
quantos rostos, quantas vozes
quantas vidas e mistérios
há em teus mares e continentes...
Julguei que do universo eras o centro
e, bem no meio, era aí o meu lugar.
Levei séculos a somar descobertas
e enganos, pensando-te só minha:
assim te usei, gastei e deformei
arrogante do meu ser
ignorando os outros seres.
Aqui estou,
como de um sonho acordado
procurando a perdida harmonia.
Oh, planeta encantado
quase de azul despido,
de minhas mãos e braços
não mais receias atos de desvario.
Que os animais dos bosques não fujam
quando meus passos ouvirem
e os golfinhos voltem saltando
como se entendessem meu grito
de irmão, de Homem,
cidadão desta Terra não só minha!
Despertar
ainda vinha
um som
longo
de luar
e senti
ainda viva
essa noite
a te sonhar
Na janela
que se abria
um pássaro
veio pousar
era hora
era dia
era sol
a despontar
À minha porta
batias
corri nua
a te abraçar
Recuerdos
No meio da praça
o touro
todo de negro
tinha morte no olhar
o toureiro
lantejoulas
meias rosa
e cortesia
na capa solta
escondia
uma espada de matar
Prelúdio
A noite era quase dia
e o vento vinha do mar
Soltaram-se teus cabelos
antes mesmo de os tocar
Os olhos ainda fugiam
evitando se encontrar
E teu corpo de tão perto
não me deixava falar
Quanto tempo assim passou
até o céu se dourar...
Na areia quente e macia
Batendo quase em surdina
um só coração se ouvia
embalado pelo mar.
06 fevereiro, 2007
Vôo de verão
Da pequena janela,
olho do avião
que deslizava no ar
num aparente não-esforço
Vi a terra virar mar
e a neblina envolvê-la
Senti que rumava ao sul
e o ontem era amanhã
As nuvens eram castelos
montanhas d’outro lugar
passeei no meio delas
Sentado ia meu corpo
transportado e conformado
entre o ser anjo ou pássaro
Esse olhar
sem hoje nem passado
Esse olhar sem espera
como canto preso
em boca entreaberta
Esse olhar cansado
desfeito
sem jeito
não grita
não chora
Esse olhar desarmado
como barco sem leme
Existe
Não posso ignorá-lo!
Sonhei comigo
esta noite
Vi-me ao comprido
Deitada
Tinha estrelas
nos cabelos
em meus olhos
madrugadas
Sonhei comigo
esta noite
como queria
ser sonhada
Senti o calor da mão
percorrendo uma guitarra
De loge vinha um gemido
uma voz desabalada
Havia um campo
de trigo
um sol forte
me abrasava.
E acordei
meio sonhando
procurando
me encontrar
Quando me vi
ao espelho
era teu
o meu olhar.